A sanção de impedimento de licitar e contratar vale para toda a Administração Pública?

A sanção de impedimento de licitar e contratar com a Administração Pública possui controversa em relação à abrangência de sua aplicação. Isto é, quando o licitante, por algum motivo, sofre essa sanção, ele estará impedido de licitar e contratar com todos os entes e órgãos públicos da esfera que ele sofreu a sanção ou somente com o órgão específico que aplicou tal penalidade?

Para ilustrar o problema, suponha que um Edital de licitação previu que a falta de apresentação de documento poderá ensejar a aplicação de sanções previstas no art. 7º da Lei n° 10.520/2002, conforme o seguinte texto:

21.1. Com fulcro no art. 7º da Lei no 10.520/2002, ficará impedida de licitar e contratar com quaisquer órgãos da União; e com base no art. 87, inciso II da Lei 8.666/1993, estará sujeita à multa, de acordo com a gravidade do inadimplemento cometido, a empresa que:
21.1.1. Não manter sua proposta ou deixar de apresentar quaisquer documentos exigidos pelo edital de licitação

A aplicação da sanção, portanto, tem por fundamento o art. 7º da Lei n° 10.520/2002, que possui o seguinte texto:

Art. 7º  Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.

Antes de mais nada, ainda não que não relacionado com a questão da abrangência da sanção em si, é importante frisar que as condutas descritas no art. 7º da Lei nº 10.520/2002 estejam acompanhadas do elemento subjetivo (culpa ou dolo) para que haja a consequente punição e, mesmo assim, com a observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Caso contrário, se estará a responsabilizar objetivamente o particular em processos administrativos decorrentes de licitações, o que se trata de verdadeira teratologia jurídica, inadmissível no Estado de Direito Democrático, em que a regra é da responsabilização subjetiva, exceto nos casos expressamente previstos em lei.

O professor Marçal Justen Filho se manifesta no mesmo sentido: A imposição de qualquer sanção administrativa pressupõe o elemento subjetivo da culpabilidade. No Direito Penal democrático não há responsabilidade penal objetiva – ainda quando se possa produzir a objetivação da culpabilidade. Mas é essencial e indispensável verificar a existência de uma conduta interna reprovável. Não se pune alguém em virtude da mera ocorrência de um evento material indesejável, mas se lhe impõe uma sanção porque atuou de modo reprovável.[1]

Para além disso, tratando especificamente aos comentários à legislação do pregão comum e eletrônico, Marçal Justen Filho comenta: Deverá averiguar-se a culpabilidade do sujeito e a dimensão da infração ao dever de diligência. Deverá reputar como ausente o elemento subjetivo quando o erro for escusável ou as circunstâncias evidenciarem que o sujeito atuara com a cautela normal a todo empresário.[2]

Independentemente disso, caso haja a aplicação da sanção com fundamento no art. 7º da Lei n° 10.520/2002, tal sanção não poderá ser estendida para toda a Administração Pública, pois justamente essa é uma das diferenças entre impedimento de licitar e a declaração de inidoneidade.

Vale citar o que Jessé Torres Pereira Junior comenta sobre o assunto: “A diferença do regime legal regulador dos efeitos da suspensão e da declaração de inidoneidade reside no alcance de uma e de outra penalidade. Aplicada a primeira, fica a empresa punida impedida perante as licitações e contratações da Administração; aplicada a segunda, a empresa sancionada resulta impedida perante as licitações e contratações da Administração Pública” (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública, 8 ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Renovar, 2009, pags. 860 e 861)

O Tribunal de Contas da União possui entendimento consolidado sobre o tema. O Acórdão nº 902/2012 – Plenário do TCU expressa que “a previsão contida em edital de concorrência no sentido de que o impedimento de participar de certame em razão de sanção do artigo 87, III, da Lei nº 8.666/93 limita-se às empresas apenadas pela entidade que realiza o certame autoriza a classificação de proposta de empresa apenada por outro ente da administração pública federal com sanção do citado comando normativo, em face da inexistência de entendimento definitivo diverso desta Corte sobre a matéria

O Acórdão nº 2788/2019 – Plenário do TCU fixa que a sanção de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a administração, prevista no inciso III do artigo 87, III, da Lei nº 8.666/93, produz efeitos apenas em relação ao órgão ou entidade contratante.

No mesmo sentido é o entendimento do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. O Acórdão nº 156/19 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Processo nº 26357/19), refere-se à homologação de medida cautelar concedida monocraticamente no sentido de que a extensão da pena é restrita. Na análise definitiva de mérito desse mesmo processo – Acórdão nº 3175/19 – Tribunal Pleno -, o TCE-PR assentou o posicionamento restritivo. O Acórdão nº 1942/19 – Tribunal Pleno do TCE-PR (Processo nº 677665/19) fixa o entendimento de que a sanção de suspensão de participar de licitações se restringe à esfera de governo do órgão sancionador.

Para além disso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região acompanha o entendimento do Tribunal de Contas da União e do Tribunal de Contas paranaense, principalmente no caso em que o fundamento legal da sanção de impedimento de licitar se dá com base no art. 7º, da Lei n. 10.520/2002:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. INDEFERIMENTO. PROCESSO LICITATÓRIO. PREGÃO ELETRÔNICO. IMPEDIMENTO DE LICITAR. 1. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos suficientes que atestem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, nos termos do disposto no art. 300 do CPC. 2. A aplicação da penalidade de impedimento de licitar, prevista genericamente no art. 7º da Lei 10.520/02, se dá de maneira restrita ao âmbito do ente que aplicou a sanção, tendo em vista que o dispositivo legal é expresso no sentido da alternatividade da aplicação da penalidade em face da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. 3. O artigo 7º da Lei nº 10.520/02 não se confunde com o artigo 87, III, da Lei nº 8.666/93, que prevê suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, pela inexecução total ou parcial do contrato 4. Manutenção da decisão que indeferiu o pedido de antecipação de tutela recursal. (TRF-4 – AG: 50182830220214040000 5018283-02.2021.4.04.0000, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 20/07/2021, TERCEIRA TURMA)

Ou seja, a Lei e o entendimento jurisprudencial são claros em interpretar restritivamente o impedimento de licitar ao órgão que o aplico quando o fundamento se dá no art. 7º da Lei n° 10.520/2002 e restou descumprido por ilegal extensão no registro do SICAF da licitante.

Segue o trecho de decisão liminar recente obtida pelo time da Struecker Hungaro Advogados nos autos n° 5033965-12.2022.4.04.7000, da 6ª Vara Federal de Curitiba:

Todavia, a parte ré, equivocadamente, anotou a penalidade no SICAF (Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores) com abrangência nacional, quando deveria restringir o assentamento às licitações e contratações com a UFPR. O documento do evento 1, DOC10, isso demonstra no item “Âmbito da Sanção”,
verbis:

Referida anotação, ao fugir dos limites do Processo Administrativo nº 23075.060484/2021-19, impõe à parte autora prejuízos na consecução dos seus interesses empresarias, porquanto não poderá participar de vários processos licitatórios em curso atualmente no país, justificando-se, então, a concessão da tutela
até a oitiva da parte ré. De outro lado, no entanto, não gerará maiores prejuízos à parte ré, uma vez que, em caso de ulterior deliberação em sentido contrário, a penalidade será restabelecida.

IV. Diante o exposto, até posterior deliberação do juízo, defiro em parte o pedido de tutela de urgência, determinando à parte ré que, no prazo de 02 (dois) dias úteis, adote as medidas necessárias para a correção da anotação no SICAF, de modo a constar a abrangência da sanção de impedimento de licitar à
Universidade Federal do Paraná, nos termos do Processo Administrativo nº 23075.060484/2021-19.

Nós da Struecker Hungaro Advogados acompanhamos integralmente as licitantes ao longo dos processos licitatórios e da execução de contratos administrativos.

Venha falar com um dos nossos especialistas em licitações e contratos administrativos caso tenha algum problema na execução do seu contrato administrativo!


[1] FILHO, Marçal Justen. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª ed., São Paulo: Dialética, 2012, p. 1012.

[2] Justen Filho, Marçal. Pregão: comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 6. ed. São Paulo: Dialética, 2013. p. 248.

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Uma resposta

  1. Prestei serviços a CAIXA ECONOMICA FEDERAL, agencia Guarabira e outras agencia na Região de João Pessoa e municpio , Cabedelo, Santa Rita, Sapé, Mamanguape e outras.
    Em Santa Rita, houve fraude em alguns empreendimentos, que não foi da nossa responsábilidde. Faziamos nos vistorias, na presença da pessoa interessada, consultamos a localizada onde o imóvel estava localizado, verificamos as condições físicas do mesmo, externa e intenamente, com dados da Certidão do Inteiro Teor, que era fornecido pela CAIXA. Não era nossa função verificar a autencidade do documento fornecido pela CAIXA. Nosso objetivo de vistória e verificar imóvel como todo, verificando as condiões físicas do imóvel. Não era de nossa função verificar autencidade de documento. A localização já era suficente para que o imóvel fosse vistoriado. A CAIXA nos alertou para tomar cuidado quanto a localização do imóvel, que tinhamos bastante cuidade solicitado dos vizinhos o recibo de água e energia e verificava a localização do imóvel, que sempre confimava a Rua onde estava inserido o imóvel. Mas pelo que sabemos de pois das fraudes cometidas e que havia na Certidão de Inteiro Teor, a mudança da matricula do Imóvel no Cartório de Registro de Imóvel Local, portanto, fica esclarecido que a Caixa foi fraudada bem com os engenheiros resposáveis técnico, pela empresas que foram contratada no Edital de 2015.

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