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Medicamento de Alto Custo: quando o plano de saúde é obrigado a cobrir?

Receber o diagnóstico de uma doença grave já é um momento delicado. Quando, além disso, o paciente descobre que precisará de um medicamento de alto custo que foi negado pelo plano de saúde, a situação se torna ainda mais angustiante. Mas será que essa recusa é legal?

A boa notícia é que a lei brasileira protege o direito à saúde, e muitos casos de negativa de cobertura são, na verdade, abusivos e podem ser revertidos judicialmente.

Este artigo mostra quando o plano de saúde é obrigado a fornecer medicamentos caros, mesmo fora do rol da ANS, e como agir diante da recusa.

O Que São Medicamentos de Alto Custo?

São medicamentos cujo preço elevado inviabiliza o acesso pela maioria dos pacientes sem assistência médica. No Brasil, a Constituição Federal assegura o direito à saúde como um direito fundamental de todos e dever do Estado (art. 196).

A crescente demanda por tratamentos com medicamentos de alto custo, muitas vezes não fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou negados pelos planos de saúde, tem levado milhares de cidadãos à judicialização para garantir o acesso a terapias essenciais à sua sobrevivência e qualidade de vida.

Os chamados medicamentos de alto custo são geralmente aqueles cujo valor mensal supera o salário mínimo, ou os que, por seu uso crônico, se tornam financeiramente inviáveis para grande parte da população.

Eles incluem fármacos para doenças raras, tratamentos oncológicos, imunobiológicos e medicamentos inovadores ainda não incorporados oficialmente às listas públicas. Costumam ser utilizados em tratamentos para:

  • Câncer (como quimioterapia oral ou imunoterapia);
  • Doenças raras ou autoimunes (como lúpus, artrite reumatoide, esclerose múltipla);
  • Transtornos genéticos e doenças degenerativas.

Esses fármacos, como Rituximabe, Nivolumabe, Pembrolizumabe, Epcoritamabe e outros, podem custar entre R$ 5 mil e R$ 50 mil por ciclo de tratamento, sendo inacessíveis sem suporte.

Mesmo com o respaldo da Constituição e de leis infraconstitucionais, o fornecimento por planos de saúde é frequentemente negado sob alegações de que o remédio é experimental, importado sem registro na Anvisa ou fora do rol da ANS.

Quando o Plano É Obrigado a Cobrir Medicamentos de Alto Custo?

1. Medicamento Prescrito com Base Científica

Se o médico assistente prescreve um medicamento com base em evidências científicas e ele é essencial para a saúde do paciente, o plano de saúde é obrigado a fornecer, ainda que o remédio não esteja no Rol da ANS.

2. Medicamentos Fora do Rol da ANS

A Lei 14.454/2022 estabeleceu que o rol da ANS passa a ser exemplificativo, e não taxativo. Ou seja, o fato de um medicamento não estar listado não permite sua exclusão automática pela operadora de saúde.

A lei permite que os planos de saúde cubram tratamentos inovadores e não listados no rol, desde que comprovada a eficácia e a recomendação de entidades reconhecidas como Conitec ou organizações internacionais, e que não haja alternativa terapêutica na lista da ANS.

3. Medicamentos de Uso Oral ou Domiciliar

Apesar de muitos planos alegarem que não cobrem medicamentos orais ou de uso em casa, o STJ já fixou que essa exclusão é inválida, desde que haja prescrição e que o tratamento seja eficaz.

4. Uso “Off Label”

O uso do medicamento para finalidades não previstas na bula pode ser permitido, desde que exista respaldo técnico e recomendação médica, o que também é pacificado pela jurisprudência.

O Que Fazer em Caso de Negativa do Medicamento de Alto Custo?

1. Exija a negativa por escrito

O primeiro passo é pedir a justificativa da negativa por escrito, com a data, o número do protocolo e o motivo detalhado da recusa. Esse é um direito garantido pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), e o plano é obrigado a fornecer essa informação em até 24 horas.

2. Reúna toda a documentação médica

Organize os seguintes documentos:

  • Prescrição médica com detalhamento do tratamento;
  • Relatório ou laudo médico explicando a necessidade do medicamento;
  • Exames que comprovem a doença ou condição de saúde;
  • Carteirinha do plano de saúde e contrato (se possível).

Esses documentos serão essenciais para mostrar que o tratamento é necessário e tem respaldo técnico.

3. Guarde comprovantes de gastos (se comprar por conta própria)

Se você precisar adquirir o medicamento por conta própria para não interromper o tratamento, guarde notas fiscais e recibos. Isso permite pedir o reembolso integral dos valores na Justiça, caso o plano tenha negado indevidamente.

4. Busque apoio jurídico

Um advogado experiente na área da saúde pode analisar a sua documentação e entrar com uma ação judicial, geralmente com pedido de liminar, para garantir o fornecimento rápido do medicamento.

Em muitos casos, a Justiça determina que o plano entregue o remédio em poucos dias, sob pena de multa.

Como Funciona a Ação Judicial Contra o Plano de Saúde?

Quando um plano de saúde se recusa a fornecer o medicamento, é possível buscar o acesso ao tratamento por meio de ação judicial, que seguirá as seguintes etapas:

  1. Ajuizamento por advogado especializado em Direito à Saúde:

A ação deve ser protocolada por um profissional capacitado na área da saúde suplementar, com experiência em demandas envolvendo negativas abusivas de cobertura.

  1. Pedido de tutela de urgência (liminar):

Um dos principais instrumentos jurídicos nesses casos é o pedido de liminar, previsto no artigo 300 do Código de Processo Civil (CPC), que permite ao juiz determinar já o início do tratamento, desde que haja documentação suficiente e demonstração do risco de vida se for necessário aguardar o término do processo. Os juízes costumam conceder a liminar em 24 a 72 horas

  1. Fundamento constitucional:

A ação se baseia nos princípios constitucionais, especialmente o art. 6º, que reconhece o direito à saúde como direito social e o art. 196, que estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado (aplicável por analogia aos planos de saúde, que integram o sistema de saúde suplementar).

  1. Documentação exigida para fundamentar o pedido:

A documentação básica para instruir uma petição inicial que busque a concessão judicial de medicamentos é:

  1. Relatório médico e prescrição do medicamento
  2. Justificativa técnica sobre a necessidade do tratamento;
  3. Cópia do contrato do plano de saúde;
  4. Documento de negativa da operadora;
  5. RG, CPF e comprovante de residência do paciente.

O que os tribunais dizem sobre os medicamentos de alto custo?

Os tribunais têm recebido cada vez mais ações de pacientes que precisaram recorrer à Justiça.

Nesse cenário, citam-se importantes súmulas editadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP):

Súmula 95: “Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.”

Súmula 96: “Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento.”

Súmula 102: “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento de sua natureza experimental.”

Para além dos entendimentos sumulados acima, vale detalhar como os medicamentos de alto custo são tratados pelo judiciário, conforme decisão de 2024 do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconheceu que o plano de saúde não pode excluir da cobertura medicamentos que tenham alto custo:

RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. 1. Parte autora acometida por câncer na medula, passando por tratamento quimioterápico. Prescrição de lenalidomida. Medicamento de alto custo. Ré que negou fornecimento. Tutela de urgência concedida para determinar o fornecimento do medicamento. 2. Sentença de procedência. Interesse de agir caracterizado. Resistência ao fornecimento da medicação. Relação de consumo. Súmula nº 608 do C. STJ. Abusividade de exclusão de cobertura. Frustração do objeto da relação contratual. Requerente que já realiza tratamento em hospital não credenciado, não vingando alegação do convênio de que tal circunstância impede o fornecimento do medicamento. Condenação a custear o fármaco na forma da prescrição médica, tornada definitiva a tutela antecipada. 3. Recurso da ré. Não apresentação de novos fatos e argumentos aptos a reformar o julgado. 4. Sentença mantida por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099 /95. RECURSO NÃO PROVIDO

Nesta outra decisão, por exemplo, também do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de 2024, ficou claro que não importa que o medicamento é de uso domiciliar:

PLANO DE SAÚDE. MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. NEGATIVA DE COBERTURA. USO DOMICILIAR. PROCEDÊNCIA. APELO DA RÉ NÃO ACOLHIDO. Preliminar. Cerceamento de defesa. Não configurado. Existência de indicação médica para o tratamento. Controvérsia restrita à cobertura contratual que dispensa prova pericial. Mérito. Tratamento prescrito à beneficiária portadora de migrânea crônica com o uso do medicamento de alto custo (AJOVY®) “fremanezumabe”. Negativa de cobertura, sob o argumento de que o medicamento é de uso domiciliar e não possui cobertura obrigatória. Abusividade. Autonomia do médico assistente na escolha do tratamento. Súmula nº 102 do TJSP. Inexistência de substituto terapêutico, com a mesma eficácia, dentro do rol de procedimentos da ANSMedicamento registrado na ANVISA. Preenchimento dos requisitos exigidos pelo art. 10 , § 13 , inciso I , da Lei nº 9.656 /98. Precedentes citados da Câmara envolvendo a mesma droga. Cobertura obrigatória. DANO MATERIAL. Restituição do valor gasto pela autora para aquisição pregressa do medicamento. Comprovação. Manutenção da sentença. Honorários não majorados, na forma do art. 85 , § 11 , CPC , porque fixados no teto legal (20%). RECURSO DESPROVIDO.            

Desse modo, havendo a documentação médica suficiente e argumentação jurídica sólida, feita por um escritório especializado em direito da saúde, o plano de saúde poderá ser obrigado ao fornecimento do medicamento de alto custo judicialmente.

O que é a liminar para concessão de medicamentos de alto custo?

A possibilidade de concessão de liminar para medicamentos de alto custo está prevista no artigo 300 do Código de Processo Civil, que autoriza o juiz a antecipar os efeitos da tutela final.

As ações dessa natureza são feitas com pedido liminar, que nada mais é do que um instrumento jurídico para antecipar a análise provisória do direito, pois há, de um lado, probabilidade de direito (prescrição médica, relatório detalhado, negativa do plano) e, de outro lado, perigo de dano irreparável ou (como agravamento da doença ou risco à vida).

Fatores que podem influenciar na rapidez da decisão sobre a concessão imediata:

  • Urgência clínica comprovada: Quanto mais grave e urgente o caso (ex: câncer em estágio avançado), maior a chance de análise imediata.
  • Documentação completa: Ter todos os documentos médicos, prescrição fundamentada e negativa do plano acelera a análise do juiz.
  • Experiência do advogado: Escritórios especializados em Direito à Saúde sabem exatamente como fundamentar e organizar o pedido para obter liminares rapidamente.

O tempo médico para concessão da liminar, quando há risco à vida, é de 24 a 48 horas (muitas vezes em plantões judiciais). Se houver menor urgência, até 5 dias úteis dependendo da vara e da localidade.

Mesmo após a concessão da liminar, o plano de saúde pode tentar recorrer. No entanto, a decisão judicial continua válida e deve ser cumprida de imediato, sob pena de multa diária por descumprimento (astreintes, art. 537 do CPC).

Conclusão

Planos de saúde são obrigados a cobrir medicamentos de alto custo quando houver prescrição médica e necessidade comprovada. Negativas baseadas no preço do medicamento, no seu uso domiciliar ou ausência no rol da ANS geralmente são indevidas.

Se o seu plano de saúde negou algum medicamento de alto custo, não aceite essa decisão como definitiva.

A equipe da Struecker Hungaro Advogados possui ampla especialização em demandas contra planos de saúde e poderá tirar dúvidas que eventualmente você tenha em relação à cobertura de medicamentos, exames, cirurgias, dentre outros. 

Entre em contato conosco e vamos garantir, juntos, o que é seu por direito.

Imagem de perfil do profissional Luis Hungaro

Especialista em licitações, infraestrutura e direito sancionador. Mestre em Direito do Estado pela UFPR.

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