Captação de investimentos é uma das etapas mais importantes em qualquer empreendimento que busca escalabilidade.
Expandir os negócios sem um grau de alavancagem pode até ser sinônimo de cautela, mas ao mesmo tempo pode revelar uma falta de confiança no seu próprio produto ou serviço.
É por isso que, ao largo de um método conservador de crescimento puramente orgânico, as startups já nos provaram que rodadas de investimentos são um eficiente combustível para um crescimento veloz e exponencial.
Ocorre que não se pode ignorar a segurança com que isso é feito. A ânsia pela exponencialidade não deve ofuscar a higidez das operações.
O crescimento a qualquer custo apenas incentiva construções de verdadeiros castelos de areia, tão grandes quanto efêmeros. É por isso que é necessário, muitas vezes, relembrar o óbvio: a forma com que a captação de recursos é feita determina efeitos jurídicos distintos.
Muitos founders ignoram isso, seja por desconhecimento, seja por falta de orientação, mas a captação de recursos pode se dar, sinteticamente, de duas formas: cedendo poder ou criando uma dívida.
Quando você vende quotas ou ações da empresa, você está obrigatoriamente cedendo poder ao investidor. Aquele que aportou dinheiro não só tem expectativa de lucros, mas agora poderá influenciar na gestão do negócio. Isso é ainda mais sério quando a captação é concentrada (investidor único) ao invés da captação pulverizada (como ocorre nas captações públicas).
Um investidor que passa a ser sócio talvez nem vislumbre, de início, o potencial de sua influência, mas a longo prazo, no decorrer dos naturais desafios da vida empresarial entre sócios, com certeza começará (e terá o direito de) lançar mão de algumas de suas prerrogativas legais para influenciar na administração.
Alguns desses poderes são o direito de fiscalizar, de exigir prestação de contas, de requerer explicações, de solicitar reunião ou assembleia de sócios e, com isso, passar a interferir nos rumos do negócio. Isso se dá independentemente do grau de sua participação no capital social (percentual de quotas ou ações detidas pelo investidor).
Por certo que existem meios de se mitigar essa ingerência do sócio investidor, como com a divisão de ações ou quotas em classes (ordinárias e preferenciais), mas fato é que sócio ou acionista sempre terão direitos interna corporis, em oposição à situação da figura de um mero credor.
A outra forma é não trocar dinheiro por participação, mas assinar um instrumento contratual de dívida: você me empresta o dinheiro e eu te pago nestas condições. São os conhecidos contratos de mútuo conversível – adaptação mercadológica nas sociedades limitadas, inspirada nas debêntures conversíveis em ações (típicos das SAs).
O aspecto prático destas transações é não conceder poderes societários ao investidor. Por outro lado, também, o investidor se exime do ônus de ser sócio. Afinal, caso não queira efetivamente (ou não tenha expertise para tal) influenciar na gerência da empresa, também não desejará correr riscos de enfrentar ações trabalhistas, consumeristas, tributárias etc.
Fato é que existem mecanismos com os quais, mesmo mediante uso de um instrumento de natureza creditícia (como o mútuo/empréstimo), você pode conferir limitados poderes ao investidor, de modo que ele tenha certo grau de controle sobre a forma com que o capital que aportou está sendo aplicado no negócio.
Isso pode se dar por meio da criação de conselhos consultivos, por exemplo, em que o investidor passa a, dentro de sua expertise técnica e empresarial, orientar as decisões da gestão da sociedade mediante emissão de pareceres, opiniões ou mesmo apenas participação nas deliberações sociais.
Uma terceira via, recente, é a do investidor-anjo. Na busca de se concretizar a eterna promessa de se “investir sem risco”, a figura do investidor-anjo é definida legalmente no novo Marco Legal das Startups como (Lei Complementar 182/2021):
Art. 2º (…) I – investidor-anjo: investidor que não é considerado sócio nem tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração da empresa, não responde por qualquer obrigação da empresa e é remunerado por seus aportes.
O anjo aporta mas não responde. Não é responsabilizado por dívidas. Aplica o dinheiro em uma atividade de risco e espera-se que, com isso, que se incentive a inovação no Brasil e, em escala mais ampla, que se coloque o Brasil em pé de igualdade com outros países no cenário de competitividade global.
Seguindo esta lógica, conforme o artigo 5º da LC 182, as startups poderão admitir aporte de capital admitindo ou não a participação do investidor no seu capital social, a depender da modalidade de investimento escolhida. São exemplos de contratos que não admitem o investidor como sócio dentro da empresa: o mútuo, a debênture, a sociedade em conta de participação, dentre outros que não importem na subscrição de ações pelo investidor.
Como proteção, e desde que celebrados contratos sem natureza societária, o artigo 8º desta mesma Lei exime o investidor de responsabilidades por dívidas da empresa, inclusive em caso de recuperação judicial ou desconsideração da personalidade jurídica, ao passo que, de outro lado, também retira (em proteção aos sócios originários da startup) o direito do investidor a votar e a gerenciar a atividade empresarial.
Esclarecido este breve panorama, é importante notar que, logicamente, cada forma de captação de investimento pode receber um tratamento jurídico distinto. Não há certo ou errado, melhor ou pior. Ter um sócio investidor significa, muitas vezes, risco compartilhado, de modo que se o investidor está com a sua pele em risco, não irá abandonar o negócio tão facilmente, e isso é um indicativo de muita confiança no projeto. Por outro lado, o instrumento de dívida é conveniente muitas vezes por não começar, de pronto, com uma sociedade entre pessoas, físicas ou jurídicas, que não possuem uma afeição suficientemente estreita para que se constitua uma sociedade.
Após o bootstrapping (crescimento do negócio apenas com recursos próprios) e o love money (os aportes “FFF” – Family, Friends and Fools), o investidor-anjo é o passo seguinte mais lógico, seguido de rodadas de seed money e venture capital (fundos). Ao final, o IPO pode ser a conclusão de uma árdua escalada, mas nem sempre essa linha reta ascendente é tão lógica e dedutível quanto parece.
Em linhas conclusivas, e sem deixar de se reconhecer que este tema merece um desenvolvimento muito mais amplo, o importante é relembrar que não se deve acelerar crescimento alavancado sem o anteparo jurídico adequado, sob pena do seu negócio, construído a tanto custo e esforço, ser penalizado com a pulverização de controle e, ao final, estar submetido aos conhecidos riscos de take over pelos investidores.